Sim, existem andróides nas duas obras. Sim, o protagonista é um "caçador de andróides". Mas há muitas diferenças. Os andróides do livro não são chamados de "replicantes" e não possuem força nem inteligência sobre-humanas. No filme o líder dos replicantes chega a quebrar paredes, mas no livro eles são fisicamente humanos, com a única diferença prática sendo a ausência de emoções. Alguns personagens são apresentados em contextos diferentes no livro e no filme. A andróide que no livro é cantora de ópera, no filme virou dançarina com cobras em um bar. O motorista de caminhão "retardado" do livro (se é que retardado é a tradução apropriada para "chickenhead") é engenheiro genético e tem por hobby fabricar brinquedos para uso pessoal no filme, e por aí vai. Não quero falar mais de diferenças específicas para evitar estragar as surpresas de quem não leu o livro.
Uma coisa boa foi o fato de eu praticamente não me lembrar do filme quando li o livro. Eu tinha visto há muito tempo atrás, e só fui rever agora depois de ler o livro. Isso foi bom porque me permitiu imaginar o mundo e os andróides quase sem a influência das imagens do filme. E os andróides do livro, ou os que eu imaginei, são mais humanos e menos bizarros que os do filme. Ok, eles não têm emoções. Eles não dão a mínima se um humano, animal ou andróide morre. Eles matarão um humano ou andróide sem pestanejar se sua sobrevivência depender disso. Mas eles não são violentos gratuitamente como os do filme. Os andróides do livro querem simplesmente sobreviver sem ser escravos nem mortos por nenhum blade runner (termo que também só existe no filme). Desta forma, no livro é possível questionar se seria correto o extermínio de andróides promovido pelos humanos, ao passo que no filme os andróides são tão repulsivos e assassinos que praticamente merecem morrer, com exceção da namoradinha do Harrison Ford. Aliás o protagonista do livro é casado, e o do filme não. Em suma, foi possível pra mim simpatizar com os andróides do livro, mas não com os do filme. Ainda, no livro não há qualquer sugestão de que o protagonista possa ser um andróide, ao contrário do filme em que essa parece ser a explicação mais plausível para a cena do unicórnio.
Há ainda uma série de informações sócio-culturais sobre o mundo futurista que são apenas sugeridas ou sequer mencionadas no filme envolvendo religião, comunicação de massa, drogas e a obsessão dos humanos por animais. Praticamente extintos, os animais são um símbolo de status no mundo imaginado por Dick. O protagonista tem uma "ovelha elétrica", e sonha em ter um animal de verdade, que seria muito caro. Esse é um dos motivos para ele correr atrás das recompensas por andróides. Mas essas questões eu até entendo que são difíceis de se aprofundar no cinema. Já as mudanças no papel dos personagens e na natureza dos andróides são mais para agradar ao diretor do que para adaptar a história à linguagem do cinema.
Mas como reclamar de um clássico do cinema como Blade Runner? É um grande filme, sem dúvida. Mas eu particularmente prefiro o livro. E recomendo. Leia e tre suas conclusões.
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