Bom, em primeiro lugar eu não tenho nada contra os Estados Unidos. Alguns dos meus melhores amigos aqui na Europa são americanos e entre os melhores lugares que já estive na vida estão a Florida e Nova Iorque. Mas este livro nos mostra os riscos do domínio global americano. Nos mostra o poder e a influência que os EUA exercem sobre o mundo todo, o que me dá um certo desconforto. O livro expõe algumas incoerências dos Estados Unidos. Por exemplo, no fim dos anos 60 a URSS colocou alguns misseis nucleares em Cuba, "apontados" para os Estados Unidos. O que foi tachado pelo governo americano e pela mídia mundial como uma ameaça, um absurdo, o momento de maior perigo para a segurança do planeta em todos os tempos. Acontece que muitos anos antes os EUA tinham mísseis do mesmo tipo instalados na Turquia e "apontados" para a URSS. Claro que neste caso não havia nenhum perigo, pois os mísseis americanos são do bem e lutam pela liberdade, etc. Como eu disse, nada contra os EUA. Tenho amigos americanos (embora eles sejam leitores do Chomsky, que também é americano) e a maioria dos europeus ainda defende muito os EUA por causa da segunda guerra mundial. Ocasião esta em que o papel dos Estados Unidos foi sem dúvida fundamental para a vitória dos aliados. O problema são as incoerências. Quando a ditadura é aliada eles a defendem (ex: ditaduras militares na América do Sul, regime racista do apartheid sul-africano...). Quando a ditadura não lhes convem eles querem lutar pela "democracia". Os aliados dos EUA sempre são bem vistos pelos EUA e pela imprensa mundial, ao passo que os que discordam dos EUA muitas vezes são apontados como terroristas. Sem falar que as normas da ONU servem para todos os países menos para os EUA, que podem decidir invadir o Iraque ou qualquer outro país com ou sem a aprovação da ONU. Vale a pena ler o livro, para abrir os olhos a respeito da única super potência do mundo moderno. Enfim, segue um trecho do livro que foi publicado pela Folha de São Paulo.
"
Capítulo I - Prioridades e Perspectivas
Alguns anos atrás, um dos grandes nomes da biologia contemporânea, Ernst Mayr, publicou algumas reflexões sobre as chances de sucesso na busca de inteligências extraterrestres. Para ele, essa probabilidade era remota. Suas conclusões tinham a ver com o sentido adaptativo do que chamamos "inteligência superior", ou seja, a forma especificamente humana de organização intelectual. Mayr estimou o número de espécies desde a origem da vida em cerca de cinqüenta bilhões, uma única das quais "atingira o tipo de inteligência necessária a gerar uma civilização." Isso ocorreu em passado bem recente, há cerca de cem mil anos. Costuma-se supor que apenas um pequeno grupo tenha sobrevivido, do qual somos todos descendentes.
Mayr especulou que a forma humana de organização intelectual talvez não se deva à seleção. A história da vida na Terra, escreveu, contradiz a afirmação de que "é melhor ser inteligente do que burro", ao menos a julgar pelo sucesso biológico de besouros e bactérias, por exemplo, muito mais bem-sucedidos do que os humanos em termos de sobrevivência. Ele acrescentou, ainda, o sombrio comentário: "a expectativa média de vida de uma espécie é de cerca de cem mil anos".
Estamos entrando em um período na história humana que talvez possa esclarecer se é melhor ser inteligente do que burro. A perspectiva mais otimista é a de que a pergunta não seja respondida: se houver uma resposta definitiva, ela só poderá ser a de que os humanos resultaram de algum tipo de "equívoco biológico", usando os cem mil anos que lhes foram reservados para destruir uns aos outros e, nesse processo, muitas coisas mais.
Sem dúvida, a espécie desenvolveu a capacidade para fazer precisamente isso, e um hipotético observador extraterrestre poderia concluir que os humanos demonstraram tal capacidade ao longo da história, dramaticamente nas últimas centenas de anos, agredindo o meio-ambiente que sustenta a vida, a diversidade de organismos mais complexos, e com selvageria fria e calculada, também uns aos outros.
AS DUAS SUPERPOTÊNCIAS
O ano de 2003 começou com várias indicações de que os temores acerca da sobrevivência humana são bastante realistas. Para mencionar apenas alguns exemplos, no início do outono de 2002, descobriu-se que uma guerra nuclear, possivelmente terminal, por pouco não acontecera, quarenta anos atrás. Logo após essa descoberta chocante, o governo Bush barrou os esforços da ONU para banir a militarização espacial, uma grave ameaça à sobrevivência. O governo igualmente suspendeu as negociações internacionais para impedir armas biológicas e tratou de garantir a inevitabilidade de um ataque ao Iraque, apesar da oposição popular sem precedentes históricos.
Organizações de assistência com vasta experiência no Iraque e estudos desenvolvidos por organizações médicas respeitadas advertiram que a invasão planejada poderia provocar uma catástrofe humanitária. As advertências foram ignoradas por Washington e pouco interesse despertaram na mídia. Uma força-tarefa americana de alto nível concluiu que é "provável" a ocorrência de ataques com armas de destruição em massa (WMDs) dentro dos Estados Unidos, probabilidade essa que aumentaria no caso de uma guerra com o Iraque. Vários especialistas e agências de inteligência se pronunciaram na mesma linha, acrescentando que a beligerância de Washington — e não apenas com relação ao Iraque — vinha fazendo crescer a velha ameaça do terrorismo internacional e da proliferação das armas de destruição em massa. Todas essas advertências foram ignoradas.
Em setembro de 2002, o governo Bush anunciou sua Estratégia de Segurança Nacional, que declarava ser seu direito recorrer à força para eliminar qualquer ameaça detectada contra a hegemonia global americana, prevista para ser permanente. A nova grandiosa estratégia causou preocupação no mundo todo, inclusive nos peritos em política externa nacionais. Também em setembro, foi lançada uma campanha de propaganda para pintar Saddam Hussein como uma ameaça iminente aos Estados Unidos, insinuando que ele fora responsável pelas atrocidades de 11 de setembro e que planejava outras. A campanha, programada para coincidir com as eleições de meio de mandato para o Congresso, atingiu em cheio seu alvo. Em pouco tempo, a opinião pública americana tomou direção diversa da opinião pública global, auxiliando o governo a alcançar seus objetivos eleitorais e transformar o Iraque em teste válido para a recém-anunciada doutrina de recorrer à força quando lhe convier.
O presidente Bush e seus colegas também continuaram sabotando os esforços internacionais para reduzir as ameaças ao meio-ambiente que são reconhecidamente graves, com pretextos que mal disfarçavam sua dedicação a setores restritos do poder privado. O Programa Científico de Alteração Climática (CCSP) do governo, observou o editor Donald Kennedy da revista Science, é uma paródia que "não inclui qualquer recomendação sobre limitação de emissões (de poluentes) ou outras formas de minimização (das conseqüências)", contentando-se com "metas voluntárias de redução, que, ainda que cumpridas, não impediriam o crescimento das taxas de emissão americanas em cerca de 14% a cada década." O CCSP sequer considerou a possibilidade, sugerida por "um crescente número de indícios", de que o aquecimento global a curto prazo por ele ignorado "detonará um abrupto processo não-linear", produzindo drásticas mudanças de temperatura capazes de gerar enormes riscos para os Estados Unidos, a Europa e outras zonas temperadas. "A postura insolente quanto à cooperação multilateral para solução do problema do aquecimento global" do governo Bush, acrescentou Kennedy, foi "o ponto de partida do longo e contínuo processo de erosão das relações com a Europa", que levou a um "ressentimento latente".
Em outubro de 2002, já era difícil ignorar o fato de que o mundo estava "mais preocupado com o uso desenfreado do poder americano do que... com a ameaça representada por Saddam Hussein", e "tão decidido a limitar o poder do gigante quanto... a privar o tirano de suas armas." A preocupação mundial aumentou nos meses seguintes, quando o gigante deixou claro seu intento de atacar o Iraque, ainda que as inspeções da ONU, relutantemente toleradas por ele, não tivessem conseguido revelar armas para lhe servirem de pretexto. Em dezembro, as pesquisas internacionais demonstraram que, fora dos Estados Unidos, o apoio aos planos de guerra de Washington mal chegava a 10%. Dois meses mais tarde, depois de enormes protestos no mundo todo, a imprensa concluiu que "talvez ainda existam duas superpotências no planeta: os Estados Unidos e a opinião pública mundial" ("os Estados Unidos" aqui entendido como o poder estatal, não a opinião pública ou mesmo a da elite americana).
Estudos revelaram, no início de 2003, que o medo inspirado pelos Estados Unidos atingira picos impressionantes no mundo todo, juntamente com a desconfiança em sua liderança política. O menosprezo pelas necessidades e direitos humanos elementares combinava-se a uma demonstração de desdém pela democracia para o que não é fácil achar paralelos, tudo isso acompanhado de discursos abundantes em promessas de devoção aos direitos humanos e à democracia. O que se seguiu deve ser profundamente inquietante para todos aqueles que se preocupam com o mundo que deixarão para seus netos.
Embora os estrategistas de Bush se encontrem em um ponto extremo do espectro político americano tradicional, seus programas e doutrinas têm vários precursores, tanto na história dos Estados Unidos quanto entre aspirantes anteriores ao poder global. Mais sinistro ainda é o fato de que suas decisões podem não ser irracionais no âmbito da ideologia corrente e das instituições que a encarnam. Não faltam precedentes históricos de líderes dispostos a ameaçar ou usar de violência frente a significativos riscos de catástrofe. Hoje, porém, o perigo é bem maior. A escolha entre hegemonia e sobrevivência poucas vezes foi exposta de forma tão evidente — se é que algum dia realmente o foi.
Tentemos desenrolar alguns dos muitos fios que se entrelaçam nessa complexa trama, focando nossa atenção na potência mundial que proclama sua hegemonia global. Suas ações e doutrinas norteadoras devem ser a principal preocupação de qualquer ser deste planeta, principalmente, é óbvio, dos cidadãos americanos. Muitos gozam de vantagens e de uma liberdade incomuns, o que os capacita a moldar o futuro, devendo encarar com cuidado as responsabilidades diretamente decorrentes de tal privilégio.
"
Curiosidade: Esse foi o primeiro livro que eu li em italiano. Até tentei achar algo em inglês, mas aqui em Trento é difícil encontrar, então encarei a versão italiana mesmo. Diria que deu para entender uns 90% do livro.
Ou em inglês na Amazon |
Nenhum comentário:
Postar um comentário