sábado, 29 de outubro de 2011

Livro da Vez: Casa Grande & Senzala - Gilberto Freyre

Sensacional. Uma sensacional aula de história. Uma verdadeira aula de Brasil. É o tipo de livro que se lê com prazer. O livro que "acrescenta" alguma coisa. E nesse caso é alguma coisa que está dentro de nós mesmos, no inconsciente, na cultura e na história de cada um de nós, brasileiros.

De se ressaltar no livro que ele está falando das pessoas, dos cidadãos, dos índios, dos portugueses e dos escravos negros. Não é um livro sobre os personagens históricos, suas leis, guerras e políticas. Esses são citados apenas de passagem, se tanto. O personagem principal do livro - como também o é da história do Brasil e do mundo - é o cidadão comum. Uma narrativa que se desenvolve em torno dos senhores de engenho, das suas esposas, dos índios, dos negros, dos jesuítas e dos filhos de todos esses. Enfim, em torno do povo brasileiro. Do cotidiano dos tempos coloniais. Às vezes chegando até ao tempo em que foi escrito, no início dos anos 1930.

Trata-se de uma obra extremamente bem documentada. Pesquisa profunda e cuidadosa, citando inúmeras referências. Na edição que eu li, constavam mais de sessenta páginas de bibliografia. Inclusive muitos documentos históricos e jornais do período colonial e do império. Um trabalho muito bem feito. Muito bem feito e muito bem escrito. Um estilo agradável, contundente e que vai além do livro de história para ser também uma obra de literatura, como arte.

Claro que o livro não é cientificamente atualizado ou correto o tempo todo. Há, a meu ver, algum exagero quando ele fala em algumas características genéticas que os povos (e em algum caso, mesmo famílias) possuiriam e que determinariam certas características dessas famílias e povos. Ele também fala em "eugenia" e superioridade de uma "raça" sobre a outra de uma forma que não se fala mais hoje em dia. Quando fala da influência do povo judeu sobre o povo português, por exemplo, chega a beirar o anti-semitismo. Justamente pouco antes da segunda guerra. Mas há que se inserir o autor no contexto do seu tempo, e no princípio dos anos 30, creio eu, a ciência apontava realmente para essas diferenças mais profundas, as quais hoje a ciência nos mostra que não são tão profundas assim, chegando a ser questionado o próprio conceito de "raças" humanas.

Mas o livro transcende essas questões, e faz com que todos os brasileiros se identifiquem com suas origens. Faz com que percebamos de onde viemos e que temos traços do índio, do português e do negro. Uma miscigenação bem sucedida que, pra mim, é um dos maiores motivos de orgulho de ser brasileiro. O fato de que conseguimos conviver em paz e, relativamente unidos como um povo só, independente da diversidade das nossas origens étnicas, culturais ou religiosas tão diversas, enquanto a maioria do resto do mundo ainda se comporta de forma um pouco (ou muito, dependendo do lugar) diferente.

O livro transcende as críticas. Transcende a sociologia e a antropologia. É literatura. E é sobre nós. Sobre o nosso passado. Sobre a nossa infância às vezes. Embora não fale no Rio Grande do Sul, que no período colonial talvez tivesse mais semelhanças com a América espanhola que com o Brasil, é possível, e pra mim inevitável, se identificar com o que ele diz. Mesmo o gaúcho que nunca tenha ido a Bahia, se identifica com o tabuleiro da baiana. Nem que seja através da música do Caetano ou de um gibi do Zé Carioca.

Em resumo, um livro que, ao descrever rituais de danças indígenas, consegue fazer uma ponte para que eu - que nunca sequer vi um índio de perto - consiga identificar nesses rituais lembranças da minha própria infância é um livro especial pra mim. Trata-se de um livro que todo brasileiro deveria ler.


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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Por que Ramones?

Bastante gente sabe que minha banda preferida (em empate técnico com os Beatles, mas Beatles é hors concours) são os Ramones. Hoje me deu vontade de escrever o porquê disso.

Vejamos o que era a tendência do rock no início dos anos 70, pouco antes do Ramones (pelo menos a tendência do rock "mainstream"): Led Zepelin com solos de guitarra de meia-hora. Bandas progressivas como Pink Floyd com sua música extremamente elaborada, com alta qualidade técnica e raios laser. Psicodelia total de caras como David Bowie e a última fase dos Beatles. Prodígios da guitarra como o Jimi Hendrix e bandas mais próximas do metal ou hard rock como o Black Sabbath e o Deep Purple.

Todas bandas tecnicamente sensacionais. Não se pode questionar a arte desses caras (embora se possa gostar ou não gostar). Mas todas elas meio que se afastavam do rock básico, original, simples, trivial mas verdadeiramente rock. Baixo bateria e guitarra. 1-2-3-4! Músicas rápidas, mensagens poderosas. Uma rebeldia que talvez a "nerdice" musical do Pink Floyd ou do Led não representasse mais, pelo menos não com a mesma energia (na minha visão).

Aí, nesse cenário o Ramones aparece, chuta o balde e traz de volta o rock simples, mas que sendo simples tinha dominado o mundo nos anos 60. E trazem o rock simples ainda mais rápido e potente do que era antes. Com letras escrachadas. Traz a diversão e a alegria de volta. Traz o punk rock! E a partir daí surgem milhares de bandas pelo mundo todo, do Sex Pistols ao Green Day, e, ao menos pela atitude, se não tanto pelo som, até o grunge do Nirvana. Não dá pra desqualificar os caras por não terem a técnica de guitarra do Hendrix ou do Jimmy Page. A ideia não era essa.

Não estou desmerecendo as bandas que citei acima, só estou colocando o contraste do Ramones com todas elas e colocando a ideia de que o Ramones era necessário naquele momento pra trazer o rock de volta (e hoje também, seria necessário que surgisse uma banda assim. Quem nos dera...), mostrando que eles representaram algo realmente dissonante com a realidade da época, com alta criatividade e originalidade. Isso pra mim é arte pura.

Fazendo uma analogia com guerras, já que o rock tem muitas vezes algo de violento, o metal soa como um tanque de guerra: Sólido, lento e pesado. O punk como uma metralhadora: Rápido, ágil e mortal. Ambos tem seu lugar e sua aplicação na guerra. Eu prefiro as metralhadoras. Mas respeito e de vez em quando até ouço os tanques.

"We need change, we need it fast
Before rock's just part of the past
'Cause lately it all sounds the same to me
Oh oh oh oh, oh oh"


Ramones